Por Ignacio García Zoppi
Revista Gestão RH, edição Abril 2020
Trabalho remoto. O que até alguns meses atrás era uma das principais tendências sobre mobilidade no trabalho, hoje tornou-se uma realidade forçada e globalizada que coloca os gestores de RH numa situação inédita e de extrema responsabilidade para a subsistência das organizações. Um mundo distópico com cidades sem transeuntes e prédios comerciais vazios contrastam com lares, na sua grande maioria, não desenhados para unir o que os antropólogos chamam de “tempo do trabalho” (profissional) com o “tempo do ócio” (pessoal/familiar).
Tenho certeza que, quando o período de isolamento passar, grande parte da força de trabalho, hoje remota, voltará diferente, questionando com mais intensidade a forma como gerimos a nossa vida em geral e o trabalho em particular, e aportando aprendizados práticos para evoluirmos na direção de novos modelos de desenvolvimento profissional sustentado.
Os aprendizados desse experimento serão muito relevantes para o futuro do trabalho. Porém, enquanto a pandemia durar, torna-se crítico que os gestores consigam visualizar e entender as redes de trabalho como estão hoje para poder estabelecer ações de estímulo ao trabalho em rede.
Porque é fundamental enxergar e gerenciar as redes informais de trabalho?
Tenho escrito sistematicamente sobre como o trabalho nas organizações é feito majoritariamente por meio das suas redes informais – baseadas nas relações de confiança e empatia – muito mais do que por meio das redes formais ancoradas nas relações de comando e controle, definidas pelo organograma formal.
Portanto, se as redes informais são as que fazem o trabalho acontecer no dia a dia, revelá-las é um passo fundamental para entender os fluxos e propor caminhos de aprimoramento. Assim que cheguei ao Brasil percebi que havia um termo local para isso: a famosa “rádio peão”. É por meio dessa rede, tão importante e às vezes menosprezada, que muitos problemas são resolvidos (e também criados), e que a comunicação é viralizada até a capilaridade da empresa.
Mas, se já era um desafio para os gestores enxergar as redes de comunicação e trabalho informais nas organizações físicas, o que acontece quando de repente todos os colaboradores se descorporalizam e o trabalho e gestão das redes passa a ser remoto?
A partir do momento em que criamos um avatar para nos representar nas interações virtuais das mídias sociais, nos “descorporalizamos”, termo usado pela antropologia digital para indicar que o nosso corpo físico já não é imprescindível para nos locomovermos nem nos relacionarmos. Estamos diante de um processo em que a virtualidade afeta sobremaneira a qualidade da informação e do vínculo humano.
Extremando essa tendência, hoje quase todas as interações e reuniões de trabalho estão sendo feitas remotamente e de forma incessante. Nelas, a comunicação não verbal, que corresponde à maior parte do ato comunicativo, se vê limitada a vídeo-câmeras caseiras. Da mesma forma, a troca informal de ideias se limita a sessões de chat. Centenas de reuniões estão sendo conduzidas com mais obstáculos tecnológicos do que já se experimentaria dentro das empresas.
Perante isso, é a compreensão do contexto e a riqueza das interações o que mais se vê afetado nas reuniões remotas, e isso impacta significativamente na tomada de decisões inteligentes de centenas de equipes com prazos e metas.
Claramente, melhorias urgentes precisam ser implementadas no nível da infraestrutura tecnológica básica dentro do ambiente doméstico, começando pela própria conectividade e passando por melhorias no acesso a dados e a plataformas de comunicação corporativa. Inclusive para aquelas organizações que já tinham começado a transitar pelo abrangente caminho da transformação digital, estes desafios atuais tornam-se gritantes.
Em paralelo ao aprimoramento das condições materiais para melhorar a qualidade das interações remotas, é crítico que os gestores enxerguem e entendam como estão sendo articuladas as redes de trabalho, pois esta é a melhor maneira de poder traçar um modelo de gestão do trabalho em rede.
A seguir descrevo um modelo de mapeamento e desenvolvimento das redes de trabalho (HBR, García, 2011) que tem se demonstrado eficaz na transformação de dezenas de organizações na procura da transformação das suas redes de trabalho. Modelo que hoje ganha ainda mais relevância perante a necessidade do gestor de RH de entender e gerir as suas redes de trabalho remotas.
DESCOBERTA
Por meio de um diagnóstico de Análise de Redes Organizacionais, visual, quantitativo e qualitativo, o objetivo desta primeira etapa é obter um mapa completo das dinâmicas do trabalho em rede, seja este presencial ou remoto. Dessa maneira, é possível identificar e mensurar:
- Quão cooperativa, energizada e inovadora é a rede neste momento e como era imediatamente antes da implementação do trabalho remoto?
- Como são os fluxos de comunicação, por onde estão fluindo e onde estão os gargalos e silos na comunicação remota?
- Quem são os líderes informais, a quem influenciam e que tipo de influência exercem na rede que possa melhorar ou obstaculizar a comunicação remota?
- Quais são os conhecimentos estratégicos para operar em rede e por onde eles estão fluindo com maior ou menor intensidade?
- Quais os potenciais níveis de resistência para a execução do novo modelo de trabalho remoto?
- O que precisa ser melhorado para que a rede opere produtivamente na sua modalidade remota?
DESIGN
Uma vez revelada a rede preexistente, os responsáveis pela implementação navegam o mapa com o objetivo de:
- Desenhar como seria a rede de alta performance perante o contexto atual.
- Convocar aos líderes informais que têm o poder de mobilizar a rede para que sejam agentes de mudança, exercendo o papel de antenas e evangelizadores internos.
- Trabalhar com a força das redes para compor times de alto rendimento e propor desafios em comum.
- Estimular a mudança do estado mental.
No exemplo abaixo da Spotify, o mapeamento poderá ser um subsídio importante (mas obviamente não o único) para definir quem são os potenciais integrantes do formato de trabalho em rede baseado em tribos (tribes), esquadrões (squads), capítulos (chapters) e grêmios (guilds), assim como os mais indicados para preencher cada função dentro de cada tribo (product owner, scrum master, desenvolvedores, DevOps…). Esse é apenas um dos possíveis modelos a seguir na busca por estruturas mais flexíveis e fluídas de trabalho em rede.
DESENVOLVIMENTO
A organização já está operando no novo modelo e portanto, nesta fase, monitoramos sistematicamente o impacto que o modelo tem nas redes informais, possibilitando:
- Calibrar a dinâmica dos relacionamentos dentro de cada agrupamento, tais como troca de informações, fluxos de conhecimento e nível de energia.
- Ampliar o modelo para outras áreas e unidades de negócio, registrando e aplicando as boas práticas aprendidas no processo e entendendo suas particularidades.
- Continuar difundindo a cultura do trabalho em redes flexíveis, informais e ágeis, agregando-a na base de evangelizadores.
- Criar planos de desenvolvimento das redes de trabalho de cada colaborador.
O poder das redes informais no contexto do COVID-19
O contexto atual de trabalho remoto imposto pelo coronavírus exige das organizações uma rápida transição para se adaptarem ao trabalho em rede. A visão de médio e longo prazo é também relevante, pois, após o fim do isolamento social, virão mudanças comportamentais nas quais o maior experimento social de trabalho remoto terá deixado aprendizados práticos e inesquecíveis. Cabe aos gestores entenderem que precisam de um novo ferramental de suporte que permita uma interação efetiva e mais produtiva com um mundo que se adapta em rede.
*Ignacio Garcia Zoppi é antropólogo organizacional e digital com mais de 10 anos de experiência na transformação de redes empresariais. CEO da Tree Intelligence, articulista e speaker.
Imagem de abertura: Tumiso/Pixabay
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